O mosquitinho
Belém, início dos anos 80.
O Santa Maria de Belém é um conjunto residencial localizado no centro da capital paraense, no bairro de Nazaré; é vizinho da Basílica e do Museu Emílio Goeldi.
Quando inaugurado foi muito disputado por conta de sua localização; todos queriam morar por ali.
Era com orgulho que se bradava nas rodas de conversa quando alguém perguntava: Onde você mora?
- No Santa Maria de Belém. Respondia-se de peito cheio.
Porém, a era do glamour havia passado. O
conjunto de kitnets ainda mantinha a coloração verde oliva, mas, as fachadas já
estavam envelhecidas e manchadas pela água da chuva; que nunca deixa de cair em
Belém, sempre às cinco horas da tarde.
Mudamos para lá, por volta de 1980; quando eu tinha 15 anos. Eu, tia Sandra e minha prima Martha.
O pequeno kitnet comportava apenas o básico e, claro, a nossa vitrola portátil; um pequeno aparelho de tocar discos de vinil, que a tampa após ser retirada se transformava em duas caixas de som.
Seus alto-falantes não eram muito potentes e seu volume total talvez não ultrapassasse os volumes dos celulares atuais.
Era um equipamento modesto que usávamos para ouvir Maria Betânia, black music e trilhas de novelas. O chamávamos de "o mosquitinho".
Em frente a nosso apartamento morava um rapaz que era proprietário de uma aparelhagem; que é como chamam em Belém as grandes equipes de som profissional.
Certo domingo, nosso vizinho ligou parte de seu som e elevou o volume às alturas. Em nosso apartamento, os móveis pulavam de um lado a outro, conforme os graves e agudos de James Brown iam se reverberando.
Tia Sandra, desesperada, se descabelava em brados histéricos exigindo que ele baixasse o som. Assustado, eu observava a cena, enquanto ela abria a porta e ameaçava chamar a polícia .
Nesse momento, o silêncio se fez, e todo o pavilhão pode ouvir sua voz berrando num brado ensurdecedor:
- E se voltar a ligar esse som novamente, eu também vou ligar o meu equipamento no volume total, aí vocês vão ver!...
Tia Sandra e eu nos entreolhamos buscando reafirmar o enunciado. Nossa cumplicidade foi tanta que, ao percebermos, estávamos os dois com os dedos em riste, apontando para aquele que seria o objeto tão ameaçador da insuportável poluição sonora; e dissemos em uníssono:
- O mosquitinho!
Uma porta bateu; e nossas gargalhadas, em alto volume, ecoaram por todo o Santa Maria de Belém.
Eram cinco da tarde. E a chuva caiu.
Autor: Cláudio Duarte
Baseado em fatos reais.