Uma partida de futebol
São quase
cinco horas da tarde em Araguatins e um clássico juvenil se desenrola no
campinho localizado entre a igreja e a Praça da Bandeira: Vasco X Goiás.
O Vasco é
um time melhor, e quando termina o primeiro tempo já vence o jogo por sete a
zero; e entre os jogadores esmeraldinos o clima não está muito bom.
Da calçada da igreja, a torcida acirra ainda mais os ânimos. Chico, Felim, Davi, Azeitona, Vande e Zé do tio Gregório; e a turma do Café Marivete: Antônio Filho, e meus parentes Cará, Cupu, Zezé, Leninha e Maria Santana.
Vande é
quem dá a sugestão: - Coloca o primo Cláudio, que ele é muito bom de
bola. Diz ele, enfático. Obviamente, está de sacanagem.
Ele
insiste e diz que eu sou um ótimo jogador, um excelente atacante, um goleador; e que o Goiás
deve tirar alguém e me colocar no time se quiser reverter o placar.
Alheio ao impasse, eu devoro uma manga e observo o discurso de meu primo. Em sua cadeira de macarrão, Maria faz crochê, balança a cabeça e sussurra para Leninha: - Esse aí... Queira Deus!
A torcida grita meu nome. Eu começo a imaginar que talvez eu seja mesmo
um bom jogador e nem saiba. Limpo as mãos na bermuda e esfrego a boca lambuzada de manga na manga
da camisa.
O dono do
Goiás é o Neném do Seledônio e, como eu, ele também duvida de meu talento; mas,
pressionado pela goleada e pelos gritos da galera, toma a camisa de um jogador
e me contrata.
Eu aceito
o desafio. Visto a camisa suada sob aplausos e gritos de incentivos, e deixo as havaianas
ao lado do campo. Entro no time, no ataque. A equipe respira confiança com o
novo reforço.
“O centroavante, o mais importante. Que emocionante, é uma partida de futebol”.
No outro time, Enéas Filho, Amauri, Mundico e Foguete traçam estratégias para o segundo tempo e alertam seu arqueiro; de certo, estão preocupados com o novo atacante. O Oião está no gol.
No
primeiro minuto do segundo tempo, alguém chuta a bola que acerta em mim e sobra
como uma bela assistência para um dos nossos fazer o primeiro gol do
Goiás. É festa na torcida.
O time se
empolga e decide que é hora de ir para cima deles; mas nem dá tempo de comemorar
e o Vasco faz seu oitavo gol; e quando o jogo recomeça faz outro e mais outro,
e depois outro.
Os
jogadores do Vasco estão sempre com a bola. Passam com ela por entre minhas
pernas, de um lado, do outro, tabelam, fazem gols e vibram. Nosso goleiro, desesperado,
nada pode fazer.
Lerdo, eu não volto a tocar a bola. Meu contato com a pelota é somente visual. Corro bastante atrás dela, mas quando eu vou me aproximar ela
foge de mim. O importante é que estou no jogo.
E assim,
a partida prossegue e, por obra divina, termina só 14 a 1.
Enquanto
as pessoas riem e discutem as jogadas, acho o resultado
bastante positivo. O primeiro tempo foi sete a zero e o segundo tempo, que
participei, foi sete a um. Saldo de um gol.
Muito
feliz, eu esqueci as sandálias no campo; mas, acredito ter feito a diferença na partida. E depois daquele jogo tomei gosto e
participei de muitas outras decisões.
“Quem não
sonhou em ser um jogador de futebol?”
Uma vez
fomos jogar no Porto da Balsa, no Pará. Era uma manhã de domingo e fomos de
barco com o mestre Enéas. Após o jogo, por volta do meio-dia, retornamos a pé; andamos por mais de 10 km, com fome, embaixo de um sol escaldante; mas,
satisfeitos. É sina de jogador.
Eu era um péssimo atleta; mofino e delicado, não sabia guizar e nem jogar na bruta.
Nos
campinhos, na hora de escolher os jogadores para os times eu era sempre o
último ou o penúltimo, quando dava a sorte de ter alguém pior que eu; algo
muito raro de acontecer.
Porém, se
faltasse um jogador e não houvesse mais ninguém que quisesse brincar, eu era
imediatamente selecionado e convocado.
O
professor Adelmar Borges, nas aulas de Educação Física, me chamava de Pontaria; porque
eu ficava mirando a direção que a bola deveria tomar. E nunca dava certo.
Eu só
jogava por ser gente boa e gostava mesmo era quando chovia durante a pelada e
eu ficava todo enlameado; emporcalhado, como dizia mamãe.
Às vezes,
a disputa envolvia dinheiro e cada jogador tinha que dar uma contribuição e eu, como podia colaborar, tinha uma vaga; mas logo que a partida começava
eles me substituíam.
- É do
jogo. Diziam.
Apesar de
tudo, só percebi minha irrelevância para esse esporte quando certa vez
completaram os times e eu sobrei; aí alguém da outra equipe disse:
- Podem
jogar com doze mesmo, o Cláudio não faz diferença.
Eu
entendi a indireta. Abandonei a carreira de jogador de futebol e resolvi focar
nos livros e em meu desejo de ser astronauta; um sonho ainda possível para quem
vive no mundo da lua.
Autor:
Cláudio Duarte
Citações
de Nando Reis e Samuel Rosa (É uma partida de futebol)
Ilustração:
Carlessandro Souza
Leia aqui também:
http://bico24horas.com.br/noticia/araguatins-uma-partida-de-futebol/22162