Fogo e paixão
Enquanto escolho os brincos, ele se aproxima e me entrega
uma calcinha adornada com plumas e laços.
A calcinha é vermelha,
sensual e adequada para seduzir; evoca luxúria e devassidão.
Surpresa, levo uma das mãos à boca e
arregalo os olhos numa interrogação.
Eu calço scarpin e visto um Saint
Laurent preto, ombro único, justo ao corpo. Meu esposo usa um
terno Prada e sapatos Louis Vuitton.
- Use-a. Vamos nos aquecer no baile...
E ao voltar nada me impedirá de arrancá-la com os dentes. Sussurra em meu ouvido. Eu visto; ela atiça minhas chamas e eu gosto.
O show-baile é com o cantor Wando que
acaba de lançar seu novo LP e as músicas não param de tocar nas rádios. Eu sou
a fã número um e temos uma mesa prime no evento.
A poucos metros do palco, onde o
cantor obsceno fará sua performance, nos aquecemos com um doze anos. À
meia-noite, a atração principal.
Wando inicia com Senhorita,
senhorita, depois Gosto de maçã e Emoções. O
salão está cheio e todas as mesas ocupadas.
Entorpecida pela bebida, eu canto, ergo os braços, aplaudo e grito; Wando nem me nota. Aprecia a moça da mesa ao lado que, toda faceira, atira flores.
A cada música ela alterna a cor das
pétalas: brancas, rosas, vermelhas. Joga beijinhos e ele agradece. E
onde está o vendedor das flores que não aparece...
Já na parte final do show, ele faz uma
pausa para agradecer a presença de todos e em especial a sua fã número um;
lógico, a mulher das flores. Eu não aguento...
- Vai lá fora agora e compra um imenso
buquê de rosas. Anda! Grito
com meu marido. Ele me olha assustado, levanta-se, dá com as mãos e, sorrindo,
vira de costas e sai.
Wando canta Moça. Seus grossos e
devassos lábios relatam a picante sina da jovem menina que não é mais
pura e que tem um passado tão forte que até pode machucar.
Lembro meu marido e seu fetiche pela
calcinha vermelha: E quando voltarmos nada me impedirá de tirá-la
de seu corpo com os dentes. Foi o que ele disse.
Bêbada, eu miro no cantor
obsceno. E ele... será que também quer?
“Eu quero me enrolar nos teus cabelos,
abraçar teu corpo inteiro, morrer de amor, de amor me perder. Eu quero, eu
quero, eu quero...”
Imagino ouvir a resposta, levanto com
furor e vou à frente do palco. O fogo do álcool esquenta meu corpo e,
enlouquecida, deixo a paixão por meu ídolo transbordar.
Suspendo o vestido até os quadris,
enfio os dedos nas laterais da calcinha, arranco-a do meu corpo e a atiro ao
rosto do cantor.
Admirado e com olhos de lobo, Wando
silencia; a banda também. Das mesas explodem assovios, gritos e aplausos.
Agarrado à comenda, agora o homenageado
sorri, cheira e beija o seu rubro troféu.
Me viro apressada e encaro meu
marido boquiaberto e estático, com um buquê de rosas brancas à
mão, muito sério, a me fitar.
Voltando para casa, bastante envergonhada, peço a
ele que prometa manter tudo restrito a nós dois; no mais velado segredo de
família.
Ele primeiro ri; depois um pouco sério
concorda, e muito bêbado reclama:
- Você enlouqueceu... E agora como vou
tirar a sua calcinha vermelha com os dentes?
No quarto, retiro as joias, arranco o
vestido apertado e, sem a pecinha desejada, me jogo na cama sobre ele.
Ao amanhecer, desperto e o vejo ao meu
lado com um sorriso peralta. Pergunto o que há de tão engraçado, e ele me
mostra o jornal.
Fogo e paixão: fã embriagada atira calcinha em Wando.
Abaixo da manchete, uma sequência
de fotos minhas e, ao lado, uma foto de meu esposo com o buquê de flores às
mãos.
- E agora? Pergunto.
- Agora não há mais segredo. Diz
ele, sorrindo. Você é o fogo e eu a paixão.
Autor: Cláudio Duarte
Ficção. Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é coincidência. Juro!
Citações de Wando – Moça e Fogo
e paixão.