Álbum de figurinhas
É 1975, eu tenho dez anos de idade e
chega a Araguatins o álbum de figurinhas com premiações; são bolas, ferros
elétricos, panelas de pressão, rádios, bicicletas e televisores.
Para ganhar é necessário comprar o
álbum e completar as páginas com as figurinhas. O ponto de venda é no
hotel de Dona Eurídice.
Corro até lá para ver a televisão, que
só conheço de fotos. E ela se destaca em meio
aos outros prêmios; é bela, compacta e imponente como a Monalisa no
Louvre.
Admirado, levo as mãos à boca e
arregalo os olhos. Outras crianças se aproximam.
Com a TV desligada, a claridade invade
o salão e reflete, na tela, a rua e as pessoas que passam em
frente. Olhamos nossas sombras e, contentes, nos admiramos na televisão.
Raimunda da Merência, de bermuda,
camiseta, meias socket e Conga, observa da porta a
televisão, arregala os olhos e fala ao seu modo ligeiro e peculiar de
expressar-se:
- Ave Maria! Que coisa mais
linda... Gente do céu, eu quero ganhar uma bicha dessas. Coisa mais linda,
coisa mais linda... E completa. Mas, nem adianta ganhar se não
tiver luz na casa.
Amarelão arremeda ela e todos riem.
Azeitona diz que Raimunda está certa e que o aparelho nem vai pegar, porque
precisa de antena e torre de televisão. - Em Brasília tem. Ele diz.
Meu irmão Chico compra o álbum e começa
a preenchê-lo; se sobressai a página da bicicleta e focamos em completá-la.
Faltam duas figurinhas, o selim e parte do pneu.
Mamãe compra dez cruzeiros de
figurinhas. São muitos envelopes e conseguimos a parte do pneu; agora só falta
o selim. E temos muitas figurinhas repetidas para trocar.
Muitas pessoas buscam a mesma
figurinha. E nos dias seguintes a mesma situação; páginas faltando só uma
figurinha, que ninguém tem; inclusive a página da televisão.
Os sortudos só ganham bolas, e a venda
de figurinhas despenca. Surgem boatos de uma moradora da ponta da rua que teria
ganho um ferro elétrico; ninguém a viu ou sabe quem é.
Os vendedores afirmam que em Marabá
saiu uma televisão e duas bicicletas e, ademais, chegou um lote novo de
envelopes. O povo volta a comprar; mas, ninguém ganha.
Dias após, eles partem. - Não
saiu nenhum prêmio bom nesta cidade; povinho sem sorte. Diz o
vendedor à Dona Eurídice, na saída do hotel. Ela, claro, não acredita.
Não demora e chega outro álbum de
figurinhas. É a Galeria Walt Disney, que não dá prêmios.
Tio Patinhas, Mickey, Donald e Pateta
apenas convidam a garotada a achá-los nos envelopes.
E as crianças gastam todas suas moedas
na tentativa de encontrá-los; menos a minha vizinha.
Aos 12 anos, Elizabete, a filha de seu
Manuel é a paixão platônica dos pré-adolescentes.
Rodeando a praça, nós observamos sua
porta e ao primeiro sinal de Elisabete, pisamos forte no pedal das bicicletas e
passamos em frente a sua casa; silenciosos e sérios.
Depois voltamos e passamos outra vez; a
bela nem nota. Incapazes de perceber nossa invisibilidade, passamos novamente e
repetimos a ação muitas vezes ao dia.
Elisabete tem um álbum da Galeria Disney e ele está quase vazio.
Aproveitamos para nos aproximar
dela, e cada figurinha que falta em seu álbum logo aparece um garoto oferecido
para presenteá-la.
Certo dia em frente de casa, sentados à
calçada, eu e ela comparávamos os álbuns e nossas irmãs sugerem juntá-los para
termos o melhor álbum da cidade.
Elas tiram as figurinhas de um álbum e
colocam no outro; e ao final, temos um quase completo e outro completamente
rasgado; o rasgado ficou comigo.
Não demora e seu Manuel retorna para
Marabá e Elisabete leva minha parte das figurinhas da Galeria Disney.
Junto a meus amigos, suspiramos a
ausência dela e por alguns momentos as rodas da juventude ficam imóveis, até
que alguém fala da nova garota que chegou à cidade.
Ela é bonita e um bálsamo para os
jovens corações triturados.
Vamos à luta. Um comboio de bicicletas Tigrão, Monareta
e Berlineta passando em frente a casa da garota várias vezes ao
dia; mas hoje a porta permanece fechada.
Com os
corações juvenis pulsando a nova paixão, voltamos para nossas
casas. Amanhã é outro dia e teremos pela frente um pedalar exaustivo
no caminho da sedução.
Autor: Cláudio Duarte
Ficção baseada em fatos reais.